Os trechos do texto do companheiro Florentino de Carvalho que seguem abaixo são uma mensagem que ecoa para todos nós desde há muito tempo. São palavras que nos indicam a firmeza e a lucidez de suas escolhas mesmo em momentos de extrema fraqueza, confusão e mesmo risco de vida. Sua existência é nos uma referência de coerência e dignidade numa vida em busca da liberdade. Como canta o anarquista Belchior: amar e mudar as coisas me interessam mais. (https://www.youtube.com/watch?v=9K3Wj5BZBF4)
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Aos irmãos, companheiros em luta e da causa. Sigamos de pé. Viva a anarquia.
Boa leitura.
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Abaixo alguns trechos do texto que segue completo aqui: verve32(1)
sejamos consequentes…
A cada passo se encontram pessoas que, seja por ignorância ou por ambição, nunca se acham satisfeitas, mudando de ideias ou de partidos como quem muda de camisa. Que esta mudança sobrevenha após aturadas e profundas meditações, tendo-se reconhecido a falsidade dessas ideias preconcebidas, bem está. Mas que, pelo sim, pelo não, abandonem-se os camaradas de luta e a propagação de um ideal para aderir a um novo partido e entregar-se a novas propagandas, é fazer obra de divisão, contribuir para enublar os espíritos e dar consequentemente uma singular ideia da própria mentalidade.
(…)
Mas o que não se compreende é que alguns anarquistas, ou pelo menos pretensos anarquistas, abandonem a propaganda de um ideal que ainda ontem faziam seu, e isto porque em vão procuraríamos os motivos sérios da sua nova atitude. Estes, consciente ou inconscientemente, entregam-se a um péssimo labor, e é contra o seu confusionismo, contra a perturbação que eles contribuem a perpetuar, que nós queremos rebelar-nos, denunciando-os.
em guarda!
Tudo isto causa nas ideias e nos espíritos uma deplorável confusão. Cada um procura interpretar o marxismo, o comunismo e mesmo o anarquismo de diferentes modos, procurando conciliar os inconciliáveis. Difícil tarefa…
Esta confusão, que se manifesta quase sempre por uma ação incoerente, não parece, pelo menos neste momento,
opor-se ao fim almejado — a revolução. Parece mesmo decuplicar os esforços de uns e de outros. Mas que amanhã surjam os acontecimentos que todos nós esperamos, e ver-se-á então à luz radiosa do sol, mas demasiadamente
tarde, os erros, as faltas e as puerilidades de uns e de outros. Daí um grave perigo, na mesma hora em que uma linha
de conduta bem clara, perfeitamente determinada, deveria ser a regra de cada um. É tempo, pois, mais do que tempo, de nos erguermos contra a confusão das ideias e dos espíritos. Confusão que será amanhã, caso não nos ponhamos em guarda, o quebra-costas onde se pulverizarão todos os nossos esforços.
entendamo-nos — o que nós queremos?
A estes dois princípios não escapam os próprios elementos revolucionários, que lhes sofrem as garras. Eles dividiram sempre os homens e hoje sabe-se que a harmonia só será possível quando tivermos decidido por um, eliminando o outro. Estes dois princípios, o princípio de autoridade e o princípio de liberdade, não podem, pois, conciliar-se, e os anarquistas, precisamente porque são anarquistas, fizeram há muito a sua escolha, erguendo-se sempre, e violentamente o fizeram, contra os métodos e práticas autoritárias.
É preciso decididamente fazer uma escolha, e com todo o conhecimento de causa optar pelo socialismo autoritário, o
marxismo, que nos conduzirá fatalmente à ditadura, à constituição de um novo Estado, e, quer o queiram, quer não,
à reação — que a essência do Estado é conservar e quebrar as iniciativas e as energias — ou, então, optar pelo socialismo
antiautoritário, libertário, pela Anarquia, que se oporá a toda a ditadura, a toda a organização centralizada, burocratizada, e nos conduzirá ao federalismo, à organização comunista.
a força da anarquia
Não é propícia a hora para o abandono dos nossos ideais, sobretudo neste momento em que eles afirmam a superioridade da sua lógica e a eficácia da sua ação. Quando tal político, que ontem ainda solicitava os sufrágios da multidão, demonstra-nos hoje as nocividades do parlamento; quando fulano de tal, que colaborou durante cinco anos na defesa da pátria, a vem enxovalhar no último instante; quando um dado jornal, que seencarniçava na apologia de certos renegados, os passa a atacar inopinadamente, assiste-nos o direito de encolheros ombros e de dizer que há muito que os anarquistas tomaram posições não esperando pelas ordens de Lênin para agir neste ou naquele sentido.
A Revolução é coisa demasiadamente grande para que pensemos que um punhado de homens ou um partido qualquer possa realizá-la com êxito. É preciso, para que triunfe, a colaboração de todos os elementos que tiverem concorrido para a precipitar. E, sobretudo, será preciso ter em conta as iniciativas populares, colaborações, sociedades, obras de todas as espécies, das quais muitas existem já fora da gerência do Estado. Todas estas atividades se revelarão em maior grau logo que o Estado deixe de lhes por entraves. Só então nós poderemos julgar os resultados das inumeráveis associações que se criarem, tendo como elemento coordenador a Federação e como base a Comuna: o Atelier, o agrupamento intercorporativo, a Assembleia toda poderosa dos indivíduos componentes destes sistemas de organização, e que se chamará Soviete ou qualquer outro nome à escolha do freguês. Mas não confundir com a organização soviética russa que não é presentemente mais do que o reflexo do partido comunista e não do conjunto da população.
Nós pedimos-lhes desde já um pouco de lógica e de coerência. Não abusem da palavra comunismo, antes de
saber e fazer saber o que entendem ao certo por este termo. É preciso escolher entre o comunismo de Estado e o
comunismo-anarquista. A não ser que se pretenda ficar no equívoco, em que tanto se comprazem certos
camaradas , é mister decidirem-se pela ditadura ou pela Anarquia. Pois pode bem suceder que amanhã seja muito tarde, e que bom número dos que julgaram andar bem enfraquecendo o anarquismo — ou não ousando, ou não pensando dever
ir até ele —, tenham de roer as unhas, único desforço dos parvos, apercebendo-se que contribuíram pela sua atitude
equívoca de hoje a entronizar uma nova categoria de governantes e de políticos.
A vós, camaradas socialistas, sindicalistas, sovietistas, comunistas, todos os que quereis sinceramente trabalhar
por uma revolução profunda, a vós cabe decidir da vossa orientação e da vossa ação, cabendo-vos também meditar
esta eloquente frase de Kropotkin: “Dois partidos somente estão em face um do outro, o partido da coerção e o partido
da liberdade: os anarquistas, e, contra eles, todos os outros partidos, qualquer que seja o rótulo”.
E nós convidamos os grupos e os indivíduos que estão conosco a aderir sem demora à Federação Anarquista, a única organização capaz de realizar a tarefa e a propaganda acima indicadas.
um pouco de filosofia e de… psicologia
Que necessidade temos de repetir que não se impõe nem se destrói uma ideia pela força? Concede-se ao raciocínio, aos acontecimentos, o poder de demonstrar aos homens o valor ou a mediocridade dos seus princípios…
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Notas: Publicou os livros Da Escravidão à Liberdade, Guerra Civil de 1932 em S. Paulo, e deixou três obras inéditas: Crise do Socialismo, Filosofia do Sindicalismo e uma incompleta sobre a Revolução Espanhola.
Florentino de Carvalho, pseudônimo de Raymundo Primitivo Soares (Originário da província de Oviedo-Espanha, nascido em 3 de março de 1889 —faleceu em Marília, 24 de março de 1947) viveu no Brasil. Trabalhou na Força Pública em São Paulo, entrou em contato com o anarquismo e pediu baixa indo trabalhar como estivador nas docas de Santos, depois tornou-se tipógrafo e por fim professor  tendo atuado nas escolas Modernas 1 e 2 em São Paulo. Dedicou a vida a emancipação social, contribuiu e construiu efetivamente para a causa do anarquismo e do anarcosindicalismo no Brasil, Argentina e Espanha. Após prisões, exílios e fugas consegue então regressar da Espanha para o Brasil onde falecerá.
Texto publicado originalmente pela Biblioteca A nova aurora em Porto, Portugal, 1920. Atualmente publicado pelo NU-Sol na Revista Verve nº32de 2017: http://www.nu-sol.org/verve/
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